Rádio Serra Verde: educação ambiental, saúde e cultura popular
(Por Ana Carolina Linhares e Emily Vascurado - UFRRJ)
Antes da Frequência Modulada, o que já circulava pelas ruas de Xerém, em Duque de Caxias. Caixas de som divertidas em postes transmitiam avisos, músicas e recados que conectavam os moradores de forma simples, direta e acessível. Essa prática, comum em muitas regiões do Brasil desde os anos 1980, ficou conhecida como rádio poste e se firmou como um dos primeiros passos da comunicação popular comunitária. Em Xerém, esse sistema teve papel fundamental no cotidiano local até ser desativado no final da década de 1990, deixando um vazio na circulação de informações comunitárias.
Foi justamente a partir dessa lacuna que o projeto da Rádio Serra Verde FM começou a tomar forma. Reinaldo Santos, atual Diretor Geral da emissora e entusiasta da eletrônica desde a adolescência, já havia participado de uma iniciativa semelhante à Reserva Biológica de Tinguá, em Nova Iguaçu. Na época, ele atuava com educação ambiental e utilizava alto-falantes para se comunicar com a comunidade local. Ao se mudar para Xerém, recebeu o convite de uma antiga diretora do sistema de som comunitário desativado para reativar os equipamentos. "Ela me descobriu dizendo que não queria aquele ver sistema morrer. Quando vi que dava pra trazer isso de volta, Pensei: por que não transformar em algo ainda maior?" , relembra Reinaldo. Foi assim que ele reapresentou a ideia à comunidade, atualizando a estrutura e propondo um novo projeto de comunicação local.
Além da experiência acumulada, Reinaldo também resgatou o nome de seu projeto anterior, Serra Verde. O nome não foi uma escolha confiável, reflete seu vínculo com o território, o interesse pela preservação ambiental e o desejo de valorizar as belezas naturais da região. Com base nesse afeto pelo lugar e na força da comunicação popular, a Serra Verde FM começou a operar de forma experimental em 2003. Entre 2004 e 2005, passou a transmitir em Frequência Modulada, com 25 watts de potência.
O caminho até a regulamentação da rádio, porém, foi longo e desafiador. A licença provisória só foi obtida em 2010, e a definitiva chegou apenas em 2016. "Se errasse uma vírgula no projeto, tinha que refazer tudo. Foram anos de esperança e persistência" , conta Reinaldo. Sem político e com o apoio de apenas uma rádio comunitária autorizada pelo município, ele contou com a ajuda de amigos, colegas e de um engenheiro de Petrópolis para enfrentar a burocracia e cuidar das etapas técnicas. O esforço coletivo foi essencial para que uma emissora conquiste o direito de operar de forma legal, respeitando as normas da radiodifusão comunitária no Brasil.
Desde então, a Serra Verde FM se consolidou como um espaço de escuta, pertencimento e troca. Mais do que um canal de informação, tornou-se ferramenta de valorização do território, da memória coletiva e das expressões culturais de Xerém. "A gente fala do que é nosso, da nossa realidade, da nossa cultura. Isso é o mais importante" , afirma o diretor de Jornalismo e Operações da rádio, Bruno Laurindo.
Essa visão também se reflete na estrutura organizacional da emissora, que envolve técnica, cultura, comunicação e envolvimento com o bairro. Reinaldo Santos acumula as funções de Diretor Geral e responsável técnico. Bruno Laurindo responde pela Direção de Jornalismo e de Operações. Clemilda Aredes lidera a área comercial, Geraldo do Sacramento integra a Direção Geral, Pascoal Aredes contribui como auxiliar de manutenção e Sérgio Zanne, publicitário e músico, soma com criatividade e sensibilidade artística. Além da equipe fixa, uma rádio conta com colunistas que ampliam a diversidade da programação. Rosângela Costa, por exemplo, apresenta um programa voltado à saúde e ao bem-estar da comunidade.
Durante a pandemia de Covid-19, uma força dessa estruturativa foi postada à prova. Com o estúdio fechado por questões sanitárias, Reinaldo respondeu sozinho à operação da rádio. Ele programava os conteúdos, inseria os apoios culturais e mantinha a emissora funcionando em modo automático. Mesmo com a suspensão temporária das transferências ao vivo, a rádio não deixou de cumprir seu papel social. " Se tinha uma notícia importante, Reinaldo ia até o estúdio e gravava na hora. A comunidade necessária de informação segura" , conta Bruno Laurindo.
Apesar das dificuldades econômicas que afetam a região, como o fechamento de indústrias e o enfraquecimento do comércio, o rádio se mantém ativo. Isso é possível graças ao apoio dos próprios moradores e comerciantes, que colaboram por meio dos apoios culturais, única forma de financiamento permitida pela legislação das rádios comunitárias. No entanto, persistem desafios: o pagamento de direitos autorais ao ECAD, a concessão de privacidade comercial tradicional e as limitações de atuação em apenas um distrito dificultam a sustentabilidade do projeto. Ainda assim, a equipe segue firme no compromisso de manter uma rádio comunitária ativa e sem fins lucrativos. " A gente não tá aqui pra lucrar. Estamos aqui porque acreditamos que não fazemos" , afirma Reinaldo Santos.
Nos últimos anos, a Serra Verde FM ampliou sua presença no ambiente digital. A rádio mantém uma conta ativa no Instagram, onde compartilha bastidores, agenda de programas e conteúdos sobre o bairro. Também foi lançado o aplicativo Serra Verde FM, que permite ouvir a rádio ao vivo e participar da programação diretamente do celular. " Hoje, com o celular na mão, o morador escuta a rádio no trabalho, no ônibus, em casa. Isso fortalece ainda mais nosso vínculo com a comunidade" , comenta Bruno.
Em 2025, a emissora deu mais um passo importante com a inauguração de seu estúdio próprio no bairro Mantiqueira. O espaço foi batizado pelo Estúdio Landell de Moura, em homenagem ao padre e cientista brasileiro reconhecido como um dos pioneiros da rádio. Para Reinaldo, a conquista simboliza mais aquela infraestrutura. “ É um marco da nossa história. Um sonho que virou realidade com muito esforço coletivo. A rádio é uma conquista da comunidade. ” Mais do que uma emissora, a Serra Verde FM representa uma comunidade que acredita na força da palavra, da escuta e da participação popular. E como resume Reinaldo, com a certeza de quem viveu cada etapa dessa trajetória: “ A rádio existe para Xerém. É da comunidade, feita por ela e para ela. ”
Programa comunitário de educação ambiental, saúde preventiva e cidadania
Em meio ao cenário cada vez mais urbanizado e a perda de áreas verdes, a Rádio Serra Verde resiste como um espaço de conexão entre natureza, comunidade e informação. É ali que atua a bióloga com especialização em educação ambiental, Rosângela Costa, à frente de um programa voltado para a conscientização ecológica e a promoção da saúde comunitária.
" Quando eu cheguei aqui, a rádio já tinha essa visão de integração com a comunidade e com o meio ambiente. Eu só agreguei o que já fazia parte da minha vivência: mostrar que nós também somos parte da natureza ", afirma Rosângela, que também carrega uma herança familiar de respeito ao coletivo e à terra. Sua trajetória pessoal está profundamente ligada à missão que hoje cumpre na emissora. " Minha mãe, por ser indígena, sempre me passou essa visão de que fazemos parte da natureza, que não estamos acima dela. Meu pai, vindo do interior nordestino, também me ensinou o olhar para o coletivo. Tudo isso influenciou minha forma de ver o mundo" , revela.
Além do programa na rádio, Rosângela atua em comunidades vulneráveis com o projeto “Reconstruindo a Esperança”, oferecendo atendimentos de saúde integrativa e workshops sobre o uso de plantas medicinais. Ela também participa de eventos locais com ações de educação ambiental, sempre aliando saberes populares com conhecimento técnico.
Veiculado semanalmente na programação da Rádio Serra Verde, o programa apresentado por Rosângela Costa não se limita a alertar sobre os perigos da manipulação ambiental. A bióloga utiliza a comunicação como ferramenta de educação continuada, abordando temas como consumo de água, alimentação saudável, coleta de lixo e cuidados com a pele frente às mudanças climáticas.
"Hoje em dia falo muito sobre prevenção. Alimentação equilibrada, cuidado com a pele, ingestão hídrica. Tudo isso tem a ver com meio ambiente. O buraco que a gente tinha na camada de ozônio hoje já é uma cratera e afeta isso diretamente a nossa saúde" , destaca.
Mais do que um espaço de fala, a Rádio Serra Verde é também um ponto de apoio concreto à população. Rosângela se destaca na atuação de emissora em serviços comunitários, como divulgação gratuita de documentos perdidos e eventos locais. " Como as pessoas sabem que, se acharem um documento na rua, é aqui que elas devem deixar. Anunciamos de graça. Essa rede de solidariedade só existe porque a rádio é, de fato, comunitária" , conta. O trabalho de base, feito “como formiguinhas”, como ela mesma diz, é reconhecido e valorizado pela população local. “Não é a cidade perfeita, mas é uma comunidade que escuta, que participa. E é isso que dá sentido a esse trabalho ”, afirma.
Rosângela acredita que a educação ambiental deve ser um eixo transversal em todas as esferas sociais. Sua fala é direta ao afirmar que o ser humano ainda se vê como um ser superior à natureza, o que, para ela, é um erro conceitual com consequências reais. "Quando a gente devasta uma área, muda o clima, o solo, a fauna. As espécies que dependem daquela unidade não voltam mais. Vem outro grupo, mas o ecossistema original está perdido. E isso afeta a nossa vida também, mesmo que a gente sofre que não" , explica.
Além da programação voltada para cidadania e educação ambiental, a Serra Verde FM reforça seu papel como difusora de cultura popular, especialmente ao considerar gêneros musicais que dialogam com o cotidiano local. A rádio também adapta sua série para atender diferentes públicos. Pela manhã, é comum a transmissão de música caipira (Programa Alvorada Caipira) e enquanto o início da tarde traz ritmos populares, o final da tarde termina com o programa “A voz católica”, de segunda a sexta-feira. Essa diversidade musical reforça o compromisso da emissora com os diferentes perfis da comunidade de Xerém.
