Câmeras corporais na Polícia Militar mostram falta de padronização do protocolo em diferentes Estados
Pesquisador da USP explica os vários aspectos que contribuem para o fato de estar ocorrendo um crescimento desigual dessa medida no País
(Redação Serra Verde / texto: Jornal da USP / foto: Rovena Rosa - agência Brasil)
Foi divulgado recentemente o relatório do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Câmeras Corporais nas Polícias Brasileiras: Políticas Divergentes e Caminhos em Disputa, que traz um panorama inédito sobre a implementação dessa tecnologia nas forças de segurança estaduais. O estudo mostra que, embora 20 Estados já utilizem câmeras corporais ou realizem estudos de viabilidade, o cenário é marcado por desigualdades, falta de transparência e ausência de padronização nos protocolos de uso e armazenamento de imagem.
O pesquisador Daniel Edler, do Núcleo de Estudos de Violência, explica o porquê de estar ocorrendo um crescimento desigual dessa medida no País; a partir de um levantamento iniciado em 2023, o que se observou foi uma expansão do uso do aparato, mas bastante desigual. “As forças de segurança dos Estados do Sudeste já têm políticas bem desenvolvidas, um investimento planejado para isso, mas em outras regiões isso não está tão claro”, diz.
Os Estados foram divididos em cinco níveis: Estados que já tinham o uso das câmeras, Estados que já tinham políticas bem desenvolvidas, mas com o número reduzido de câmeras, Estados em implementação, os que não possuem nenhuma política e os que recuaram na medida, que é o caso de Santa Catarina, que foi um Estado pioneiro no uso de câmeras corporais em sua polícia.
“Foi um Estado que passou por uma avaliação de impacto muito bem-feita, organizada de forma independente por um grupo de pesquisadores fora da Polícia Militar, que percebeu que tinha efeitos muito positivos sobre a ação da polícia. Você tinha redução de agressões contra os policiais, redução de agressão dos policiais contra a sociedade civil, contra a população, vários casos de crimes que diminuíram no Estado porque foi possível produzir melhores evidências para as prisões do flagrante. E, apesar disso, o Estado decidiu retirar as câmeras”, ressalta Edler. O que se percebeu, segundo o pesquisador, é que existe uma resistência política muito grande às câmeras corporais. “Uma resistência corporativa dentro da Polícia Militar, mas uma resistência que também envolve a segurança e o governo do Estado”.
Falta de transparência
Outro ponto crucial que dificultou a realização do levantamento da pesquisa do núcleo foi a falta de transparência dos relatórios enviados pelos governos estaduais. “Inicialmente, a proposta era, na verdade, realizar um levantamento sobre como os Estados usavam ou não usavam as câmeras. Acabamos achando necessário fazer também uma espécie de mensuração sobre a qualidade da transparência das forças de segurança desses Estados”, lembra. “Os pedidos eram enviados, e muitas vezes o Estado não respondia, ou respondia uma coisa completamente diferente do que era a pergunta. Ou então realizávamos uma série de perguntas específicas sobre o programa de câmeras corporais, por exemplo, qual era o protocolo de uso da câmera, quanto tempo as imagens estavam armazenadas, e essas informações, que são muito importantes, algumas vezes não eram enviadas”, afirma.
Criou-se assim uma régua para medir essa transparência, categorizando os Estados com baixa, média e alta transparência, com base nas informações divulgadas para o estudo e se respondiam ou não às perguntas feitas.
Protocolos de utilização das câmeras
“O principal desafio operacional para realizar uma boa implementação das câmeras corporais é o protocolo de acionamento. Olhando para outras avaliações de impacto, é muito difícil você fazer o profissional de segurança acionar a câmera no momento que, de fato, ela tem que ser acionada. E quando a câmera não é acionada, a gente não tem o principal efeito que ela pode gerar, que é a dissuasão da ação violenta, e aí, tanto uma dissuasão do profissional de segurança pública quanto a dissuasão da pessoa que está interagindo com esse profissional. Ou seja, ao saber que está sendo gravada, a pessoa passa a adotar um comportamento que é um comportamento menos agressivo, portanto, que gera menos violência”. Edler completa dizendo que o principal benefício dessa avaliação de impacto ocorre não nas grandes operações, mas sim nas operações rotineiras, impedindo a escalada da violência.
O padrão de gravação vigente na maioria dos Estados é que, quando o policial sai do batalhão, a câmera grava em uma qualidade menor e, ao responder uma ocorrência, ele deve apertar um botão para melhorar a qualidade do vídeo e iniciar a gravação do áudio. Em contrapartida, o Estado que divergiu dessa medida foi São Paulo, onde a câmera só começa a gravar quando o policial aciona o botão, mas, apesar de a Secretaria de Segurança assegurar que todos os momentos importantes serão gravados, é difícil garantir isso.
Há avanços
Apesar da desigualdade, despadronização e falta de transparẽncia das medidas de implementação, é possível observar progressos nessa medida. “No Brasil, a gente vê que as avaliações de impacto apontam para um resultado bastante positivo. Politicamente, ainda é perceptível, se você olhar para o Congresso, uma série de projetos de lei visando à redução das câmeras corporais, mas, apesar disso, eu acho que a lógica que conseguimos encontrar é um levantamento que teve avanço. O governo federal adotou uma medida para padronização do uso das câmeras, pegou parte do Fundo Nacional de Segurança Pública e colocou para que os Estados possam acessar esse fundo para contratar as câmeras”, finaliza Edler.
*matéria disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/cameras-corporais-na-policia-militar-mostram-falta-de-padronizacao-do-protocolo-em-diferentes-estados/. Publicação em 08/09/2025.